Portugal / Portugal

Uma grande parte dos órgãos de comunicação social independentes criados em Portugal na última década aborda – como foco único ou como preocupação sempre presente – dois temas principais: as questões raciais e de identidade de género. Oito dos órgãos de comunicação social incluídos no diretório dedicam as suas reportagens especificamente à cultura e às artes, o que faz deste o maior grupo do conjunto de órgãos de comunicação social independentes portugueses investigados no âmbito do Project Oasis.

INFORMAÇÕES GERAIS

Organizações de comunicação social no Diretório
21
Tipo de organização
  • Com fins lucrativos = 33.3%
  • Sem fins lucrativos = 47.6%
  • Híbrido = 9.5%
  • Ainda não constituída/registada = 9.5%
Género dos fundadores
  • Feminino = 33%
  • Masculino = 67%
Tipo de cobertura
  • Hiperlocal = 0
  • Internacional = 10
  • Local = 2
  • Nacional = 9
  • Regional = 0

No contexto daquilo a que muitos chamaram de “evento de extinção dos meios de comunicação social”, causado pela pandemia, pela instabilidade económica, pela desinformação e pela guerra, tem surgido um número crescente de novos tipos de meios de comunicação social independentes.

Enquanto os media tradicionais continuaram a realizar cortes de pessoal ao longo da última década, os meios de comunicação social nativos digitais floresceram em toda a Europa, preenchendo desertos de notícias, atraindo públicos desiludidos e afirmando-se como pioneiros em novas formas de partilhar informações vitais.

Apesar das diferenças políticas, económicas e linguísticas que caracterizam os mais de 40 países onde realizámos esta investigação, as 540 organizações de meios de comunicação nativos digitais que constam do nosso diretório do Project Oasis enfrentam muitos desafios e oportunidades comuns.

Apresentamos, a seguir, algumas das nossas principais conclusões:

  • Utilizam as redes sociais para chegar a públicos mais jovens, enviam atualizações de notícias através do Telegram para escapar à censura e formam jornalistas cidadãos para chegar a comunidades carenciadas.
  • Mais de 85% afirmaram que as questões relacionadas com a sociedade e os direitos humanos são domínios-chave das suas reportagens, incluindo tópicos relacionados com migração, refugiados, género e feminismo.
  • Mais de 50% dedicam recursos ao jornalismo de investigação e muitos formam alianças para fazer reportagens além-fronteiras.
  • Mais de 58% dos fundadores dos meios de comunicação social apresentados neste relatório são mulheres. São altamente colaborativos e a maioria tem dois ou mais cofundadores.
  • Os meios de comunicação social fundados por equipas que incluem tanto homens como mulheres registaram as receitas mais elevadas, com uma média de 509 740 EUR por ano.
  • Os que investem no desenvolvimento das empresas criam organizações mais sustentáveis. Os órgãos de comunicação social que têm, pelo menos, um colaborador dedicado à geração de receitas registaram uma receita média anual seis vezes superior à dos que não têm colaboradores nestas funções: 598 539 EUR versus 95 629 EUR.
  • Mais de metade dos meios de comunicação social incluídos neste estudo são organizações sem fins lucrativos e muitas das empresas com fins lucrativos investem mais no jornalismo do que nos lucros.
  • No caso dos meios de comunicação sem fins lucrativos, as principais fontes de receitas são as subvenções, os donativos individuais e as contribuições dos associados (por esta ordem). Quanto aos meios de comunicação com fins lucrativos, as principais fontes são: publicidade, subscrições dos sites e subvenções.
  • A diversidade de receitas é fundamental, mas um número excessivo de fontes não se traduz num maior sucesso. O desenvolvimento de duas a seis fontes de receitas parece ser o ideal para a sustentabilidade e independência.
  • Os órgãos de comunicação social nativos digitais vão desde pequenas empresas em fase de arranque, geridas por voluntários dedicados às suas comunidades, até operações multiplataformas altamente rentáveis que atraem milhões de visualizações de páginas todos os meses e ganham milhões de euros por ano.
  • Embora alguns dos meios de comunicação social incluídos neste estudo tenham mais de 20 anos, mais de metade começou a publicar na última década. A maioria foi fundada em 2016.

A sustentabilidade é difícil e não existe uma receita simples para o sucesso. No entanto, muitos dos líderes da comunicação social que entrevistámos estão a demonstrar que é possível encontrar o apoio de que necessitam para servir as suas comunidades.

“Sem oligarcas, sem acesso pago. Apenas os vossos donativos e o nosso trabalho” é o slogan do órgão de comunicação nativo digital checo Deník Referendum, criado em 2009. O chefe de redação, Jakub Patočka, falou-nos do seu método: “Os leitores que desejam debater [na secção de comentários] os nossos artigos pagam uma taxa. Esta abordagem gera um rendimento modesto e também ajuda a alimentar o debate.”

As cooperativas de meios de comunicação social financiadas através de contribuições dos associados são um modelo interessante adotado por algumas das publicações do nosso diretório. No Reino Unido, os membros da cooperativa The Bristol Cable são também “acionistas democráticos”, o que significa que podem participar nas assembleias gerais anuais da organização, votar nas campanhas editoriais e concorrer às eleições para o conselho de administração não executivo.

A maioria das empresa de comunicação social que identificámos para criar o nosso diretório foi iniciada por jornalistas, muitas vezes com recursos e experiência empresarial limitados, mas, apesar destes (e de muitos outros) desafios, muitos disseram que esperam crescer nos próximos anos.

Alguns serão bem conhecidos dos leitores que trabalham no setor dos meios de comunicação social, mas acreditamos que existem algumas surpresas entre os muitos exemplos inspiradores que encontrámos na Europa. Dito isto, não afirmamos que esta primeira versão do Project Oasis represente todos os meios de comunicação que devem ser incluídos no nosso diretório europeu.

Muitas das nossas constatações neste estudo foram coerentes com os nossos projetos de investigação anteriores e, para fornecer um contexto mais amplo e pontos de comparação, aprofundamos todas as principais descobertas acima no relatório que se segue.

Este projeto de investigação foi realizado utilizando a metodologia que desenvolvemos na SembraMedia quando começámos a procurar tipos semelhantes de órgãos de comunicação em comunidades hispânicas na América Latina, Espanha e Estados Unidos em 2015. Desde que iniciámos o Project Oasis em 2022, mais de 60 pessoas trabalharam neste projeto, incluindo 34 investigadores com experiência local, que identificaram, analisaram e realizaram entrevistas em mais de 30 línguas.

É importante salientar que este relatório e o diretório de meios de comunicação não representam uma lista definitiva e exaustiva de todos os meios de comunicação digitais independentes na Europa. Esperamos que este seja apenas o primeiro passo de um projeto de investigação em curso que continuaremos a desenvolver.

Inspiramo-nos na inovação, na determinação, na coragem e, muitas vezes, no jornalismo premiado produzido pelos líderes da comunicação social que generosamente tiraram algum tempo dos seus dias de trabalho atarefados para falarem com os nossos investigadores.

Tal como aprendemos em estudos anteriores, destacar os tipos de órgãos de comunicação apresentados no diretório do Project Oasis pode ajudar os seus líderes a trocarem conhecimentos, colaborarem e ganharem maior visibilidade e reconhecimento por parte de organizações que podem fornecer o apoio vital de que necessitam e que merecem para continuarem o seu trabalho.

Liberdade de imprensa 

Portugal ocupa uma posição de destaque em termos de liberdade de imprensa e é um dos países mais bem classificados no Índice de Liberdade de Imprensa 2022 da Repórteres Sem Fronteiras, mas o setor da comunicação social do país não está imune a pressões políticas e judiciais nem a outros ataques. O denunciante Rui Pinto foi julgado após a sua detenção em 2019, acusado de ter divulgado segredos do mundo do futebol (investigação Football Leaks), bem como os registos financeiros de Isabel dos Santos, filha do antigo Presidente de Angola José Eduardo dos Santos (investigação Luanda Leaks), observa a Repórteres sem Fronteiras. Em 2021, a imprensa portuguesa revelou que vários jornalistas tinham sido secretamente vigiados pela políciaa fim de descobrir as suas fontes confidenciais. 

Nas redações, vários jornalistas referiram os baixos salários, a precariedade do seu trabalho e a falta de autonomia das redações em relação à administração e aos conselhos de administração das organizações como as maiores ameaças à liberdade de imprensa em Portugal. Entretanto, um estudo académico revelou que 56,3% dos jornalistas declararam ganhar menos de 1000 EUR por mês e 14,8% declararam receber menos do que o salário mínimo ou nada, refere o Mapping Media Freedom, que documenta as violações da liberdade de imprensa e dos meios de comunicação social na Europa.

Domínio e estrutura do mercado 

O mercado português dos meios de comunicação social é essencialmente controlado por cinco grandes grupos de comunicação social, privados e públicos, todos proprietários de diferentes tipos de empresas de comunicação social. O setor da imprensa caracteriza-se por um grande número de jornais e revistas locais e regionais e por poucos generalistas nacionais, bem como por um declínio constante das taxas de circulação ao longo dos anos, de acordo com a análise da Media Landscapes. Esta salienta que Portugal tem mais de 300 estações de rádio em todo o seu território e que este meio de comunicação social é muito popular no país. Acrescenta que a televisão domina o setor dos meios de comunicação social, recebendo a maior parte do investimento publicitário. No espaço online, os principais atores têm sido alguns dos principais intervenientes no mundo dos meios de comunicação social offline, bem como os agregadores de notícias, que gozam de grande popularidade junto do público.

Como são financiados os meios de comunicação

O sistema de media português continua a depender da publicidade como principal fonte de financiamento, sendo a maior parte do investimento absorvido pela televisão. Em 2020-2021, as restrições impostas pela COVID-19 afetaram negativamente o setor da comunicação social, com uma diminuição da circulação impressa e perdas de publicidade. Tudo isto afetou os salários dos jornalistas que “foram desvalorizados”, segundo a Repórteres Sem Fronteiras. Em 2021, registou-se um aumento de 16,9% nas assinaturas digitais, de acordo com o relatório do Instituto Reuters intitulado Digital News Report Portugal 2021 – embora, de acordo com o seu Digital News Report for 2022, o pagamento por notícias online “permaneça relativamente baixo: 12 %” em 2022. Em novembro de 2021, o Google News Showcase foi também alargado a Portugal, estabelecendo parcerias com 49 publicações.

O diretório inclui vinte e um perfis de organizações de meios de comunicação social nativos digitais de Portugal. A maioria destas organizações foi criada como resposta à dificuldade sentida por alguns jornalistas para encontrarem o seu lugar nos órgãos de comunicação tradicionais, ou como resposta ao sentimento de que certos temas tinham pouca cobertura mediática. As questões de racismo, identidade de género e desigualdade, bem como a cultura e as artes, estão entre os principais focos destas organizações.

Mais de metade dos órgãos de comunicação social investigados contou com o investimento financeiro inicial da equipa ou do fundador para arrancar, bem como com trabalho voluntário para sobreviver. Os serviços de consultoria e de conteúdos são meios importantes de transferência de receitas entre diferentes projetos pertencentes aos fundadores ou entre diferentes ramos do mesmo projeto. O financiamento institucional, as subvenções, a publicidade e as parcerias com empresas privadas constituem outras fontes de receitas. Poucos são os órgãos de comunicação social que referem obterem receitas significativas do apoio do público.

De um modo geral, os órgãos de comunicação social independentes são observados com curiosidade pelas redações tradicionais, que frequentemente os citam, transmitem ou publicam as suas reportagens e investigações, e trabalham em colaboração com os seus jornalistas. Alguns projetos independentes receberam prémios e distinções nacionais e internacionais. Este facto tem contribuído para que tais órgãos sejam considerados importantes, bem como fontes de inspiração e aprendizagem. 

Em 2022, a publicação de uma folha de cálculo com os salários do setor do jornalismo português, divulgada por um grupo de jornalistas anónimos, permitiu aos profissionais da comunicação social aperceberem-se dos baixos salários praticados no setor. Um dos aspetos mais inesperados da folha de cálculo foi o facto de os jornalistas do órgão de comunicação social independente Fumaça receberem salários superiores à média. “Podíamos optar por pagar salários mais baixos e garantir o funcionamento da nossa redação durante mais tempo, mas decidimos pagar decentemente à nossa equipa porque acreditamos que não faz sentido investigar a precariedade e depois não praticar o que defendemos”, diz Maria Almeida, uma das fundadoras do Fumaça.

Nos últimos 10 anos, surgiram dezenas de órgãos de comunicação social independentes em Portugal, a maioria dos quais no rescaldo da crise financeira de 2011-2014, que se traduziu em despedimentos nas redações, cortes orçamentais e desinvestimento na cobertura jornalística, bem como no aumento da precariedade laboral nas redações. Em geral, os jornalistas que fundaram órgãos de comunicação social independentes relatam uma maior satisfação criativa no seu trabalho, uma sensação de liberdade, bem como um sentido de comunidade e camaradagem entre as equipas que escolheram. Os maiores desafios relatados por estas equipas têm a ver com a obtenção de financiamento estrutural que beneficie a região do Sul da Europa, saber como aceder a subsídios e oportunidades de financiamento e saber como se candidatar corretamente a esses apoios.

Última atualização: dezembro de 2022